Este foi a continuação do anterior...
Aqui vai mais uma daquelas que é só para quem tem paciência!
A Frequência Cardíaca Máxima (FCM)Para quem treina com pulsómetro há uma coisa que temos de saber, senão não podemos avançar para a fase seguinte: a FCM. Há uma fórmula muito simples para esse cálculo que é subtrair a nossa idade a 220. Ou seja, no meu caso que tenho 35 anos, daria 220 – 35 = 185 batidas por minuto (bpm). Essa deveria ser a minha FCM mas não é! Porquê? Porque trata-se apenas de uma fórmula e como tal pode não corresponder à realidade em todas as situações.
A melhor forma de verificarmos a nossa FCM é usando o pulsómetro. Por exemplo uma subida tipo o Pico da Pedra é ideal para verificar a FCM. Vai-se puxando gradualmente durante a subida desde as rectas cá de baixo, até dar o nosso máximo perto do fim. No fim da subida aquilo inclina um pouco mais. Nessa fase depois de já estarmos com a língua de fora, faz-se um pequeno sprint (uiii...) O valor que registarmos no pulsómetro corresponderá muito aproximadamente à nossa FCM. Durante umas semanas repete-se isso 2 ou 3 vezes para ficar com uma ideia mais exacta.
Após algum tempo a usar o pulsómetro, em prova e treinos mais puxados constatei que frequentemente atingia as 198-200 pulsações. A partir daqui, sabendo com exactidão a nossa FCM, é possível definir diferentes zonas de treino com diferentes objectivos! Há ainda uma forma mais precisa de calcular as zonas de treino que é conhecendo o nosso limiar anaeróbio tal como refiro no post anterior, mas esse limiar varia muito consoante a condição física do atleta e além disso tem de ser determinado através de testes de laboratório... deixamos isso para o Armstrong!
As Zonas de Treino
Sabendo a nossa frequência cardíaca máxima podemos estabelecer 5 zonas de treino, cada uma com objectivos específicos. Treinar nessas zonas permite-nos ter o controlo sobre os efeitos que queremos a longo prazo num treino.
Zona R ou Recuperação Activa (55 – 65% da FCM)
No meu caso que tenho uma FCM de 200, significa treinar entre as 110-130bpm (é mesmo leve!!). Esta zona de treino é usada para treinos de recuperação, por exemplo num dia a seguir a um treino mais intenso ou a uma prova uma hora de treino nesta zona é ideal. A recuperação activa é melhor do que o descanso absoluto porque permite banhar os músculos com oxigénio e hidratos de carbono e remover mais rapidamente os produtos tóxicos que se acumulam a seguir a exercícios mais intensos. Andar neste intervalo torna a recuperação mais rápida e mais eficaz.
Zona E1 ou Endurance (65-75% da FCM)
Para uma FCM de 200 significa treinar entre as 130-150bpm (faz-se muito bem). Esta zona de treino é que nos fornece toda a sustentação ou base aeróbia num programa de treino. Aqui são construídos os alicerces. Para um treino ser eficaz nesta zona tem de ter a duração mínima de 1 hora e a cadência mantida a níveis elevados (90 pedaladas ou mais por minuto). Treinar nesta zona leva a um aumento do número de capilares nos músculos, treinam-se os músculos para o uso de gordura durante um exercício, melhoramos o forma como o oxigénio é aproveitado e desenvolve-se aquele feeling que é estar sentado numa bike durante longos períodos. De forma simplista, no início de um programa de treino, se treinamos 10h por semana, 8 h devem ser despendidas nesta zona. Com o decorrer das semanas vamos reduzindo gradualmente este total para dar lugar a zonas de treino mais intensas.
Zona E2 ou Endurance intensa (75-80% da FCM)
Para uma FCM de 200 significa treinar entre as 150-160bpm (ainda se faz bem).
Esta zona permite melhorar a nossa condição aeróbia tal como a zona E1, mas faz-se à custa de um consumo mais elevado das nossas reserva de glicogénio (açúcar) e leva à fadiga muito mais rapidamente que a zona E1. Leva também a que o nosso organismo se habitue a repor mais eficientemente as reservas de açúcar, e como tal permite um tipo específico de treino. O problema é que muitos ciclistas passam demasiado tempo nesta zona. Treinando muito nesta zona e ainda por cima, se associado a treinos de intensidades mais elevadas de forma sistemática, sem dar os dias de recuperação activa, o atleta vai-se queimar muito rapidamente.
Zona E3 ou Endurance máxima (85-90% da FCM)
Para uma FCM de 200 significa treinar entre as 170-180bpm (aqui começa a doer).
Nesta zona começamos e entrar numa fase mais complexa do treino. Não é fácil ser muito claro porque as opiniões sobre os treinos a efectuar a partir desta intensidade divergem muito de autor para autor. Pudera... é aqui que residem os grandes segredos!
É nesta zona que se verificam as maiores melhorias ao nível da nossa condição aeróbia, mas estamos também muito próximo do limiar anaeróbio (LA). Fazer subidas longas ou treino de contra-relógio são exemplos. No fundo a ideia é: treinar a uma intensidade elevada, o mais próximo possível do limiar anaeróbio, sem no entanto o ultrapassar para evitar a acumulação de ácido láctico. Isso permite ao atleta treinar mais vezes a intensidades relativamente elevadas, recuperar mais rapidamente de um treino, minimizando o risco de over-training!
Zona P ou de Power (acima dos 90% da FCM)
Para uma FCM de 200 significa treinar acima das 180bpm (aqui dói mesmo a sério).
Nesta zona são efectuados os treinos intervalados e em conjunto com a zona E3, é possível treinar para fazer subir o Limiar anaeróbio (treinos de 10 minutos abaixo, na zona, ou acima do LA), tolerar a presença de ácido láctico (intervalos curtos com recuperação curta) e subir o VO2 máximo (intervalos curtos de 2-5 minutos perto do nosso máximo).
Estes esforços intensos vão tornar-nos mais rápidos mas têm um custo elevado para o organismo que não consegue tolerar uma quantidade excessiva de treinos nesta zona. Dois ou três por semana, com pelo menos um dia de recuperação activa entre eles. Treino adequado nesta zona permite subir melhor, manter ritmos de corrida mais elevados ou conseguir suster aqueles ataques, ou mesmo dar-nos condições para sermos nós a atacar. No fundo permite-nos aguentar melhor o sofrimento dos esforços mais intensos. Os treinos nesta zona duram tipicamente entre os 90 segundos e os 15 minutos dependendo da intensidade. Maior intensidade implica menor tempo despendido nesse intervalo. Pode-se jogar com quatro elementos de acordo com o objectivo: número de repetições, o tempo, a intensidade e a recuperação (só isto dava mais um post no mínimo).
Os SprintsOs sprints são ainda uma questão à parte de tudo o falei até agora. Não se enquadram em nenhuma das zonas mencionadas. Os sprints devem ser de curta duração (10-30 segundos) e efectuados no máximo que conseguirmos dar naquele momento. Aqui não é relevante a intensidade cardíaca. Num sprint de curta duração o organismo utiliza as nossas reservas de ATP. O nosso organismo apenas armazena energia nos músculos para suster este tipo de esforço durante 30 segundo no máximo, sem recorrer à produção de ácido láctico, e isto é muito importante. Após 30 segundos devemos parar o sprint porque a partir dai produzimos ácido láctico. Igualmente importante é dar um período de recuperação activa (na Zona R) de cerca de 3-5 minutos para o organismo recuperar. Os sprints são um treino efectuado ao longo de todo o ano, mas com maior incidência quando estamos a aproximarmo-nos da época de provas, ou estamos a atingir o nosso pico.
A analogia do bolo... lolPara terminar, porque isto vai mesmo longo (desculpem), fica aqui algo para abrir o apetite. Para que servem todos estes conceitos?
Imaginem um plano de treinos como a confecção de um bolo e pensem nele dividido em 3 partes: a plataforma, o bolo propriamente dito, e a cobertura.
Para começar é necessário pensar na plataforma. Um bolo se não estiver assente numa boa plataforma corre o risco de se desmoronar facilmente (imaginem um bolo daqueles que se compra no hiper numa forma de papel). Assim é um treino que não for feito tendo como base a zona E1. Um bom programa de treino obrigatoriamente implica passar muito tempo na zona E1.
Enquanto estamos a fazer a plataforma podemos ir gradualmente começando a preparar o bolo e ai começamos a pensar sobretudo nos treinos na Zona E3 e também algum na zona de Power mas sem exagerar. Misturar bem as zonas E1, E2 e mais importante, a zona E3, é que no fim vai ditar se temos um bolo de caramelo ou outro vulgar. Convém ter um de caramelo...
Depois de feito o bolo é que vem a decoração. Ao longo do processo já começamos a imaginar como vai ser a cobertura, mas agora depois de quase tudo pronto é que nos dedicamos a ela. Ai entra a zona de Power e sprint. Podemos ter 2 bolos de caramelo, mas o que tiver a melhor cobertura seguramente vai ter melhores vendas!
Está tudo interligado. O segredo são as proporções dos ingredientes e a sequência com que os vamos juntando...! Isso vai-se aprendendo!
Desculpem lá a maçada!
4 comments:
Sem duvida um post excelente, que vem ao encontro das necessidades do pessoal que está agora a iniciar um plano de treino, pela primeira vez.
Só gostaria de dar algumas dicas.
Por exemplo, se não tiverem pulsómetro, uma boa forma de saberem se estão a entrar no limiar anaeróbio, é pela fala.
De facto, se conseguimos falar normalmente durante o treino, é porque a pulsação ainda anda sensívelmente abaixo dos 75-80 % da máxima.
Quando começamos a entrecortar as frases, é porque já está lá para cima !
Só tenho uma pequena discordância a fazer, daquilo que o Jorge disse, que tem a ver com os Sprints.
Não concordo que os Sprints devam ser treinados ao longo de toda a época - penso que, na fase de endurance, são mesmo nefastos ao ciclista.
Acontece muito o seguinte: como todos sabemos, há muitos ciclistas que não querem molhar o coiro no Inverno, e ficam a ver TV, enquanto os outros vão treinar.
Mas quando começam as provas, eles querem estar em forma...
O que muitos fazem (e resulta) é saltarem as fases de E1 e E2, e começam logo a treinar séries e sprints.
Este tipo de treino leva a que o atleta atinja uma condição física razoável, num curto espaço de tempo.
Porém... (há sempre um mas) isto de saudável não tem nada !!!
Usando a analogia do Jorge, isto é comer o caramelo à colherada - mais tarde ou mais cedo, vai enjoar, ou seja, o nosso corpo não vai conseguir estar muito tempo numa condição óptima, porque falta-lhe a base das bases - o Endurance.
E ainda há o risco de lesões - imaginem comprarem um carro novo e irem para a via rápida esticar 1ªs - mais tarde ou mais cedo vão aparecer as fugas de óleo, as folgas nas peças, etc.
Connosco acontece a mesma coisa - há que preparar a "máquina" primeiro, com calma e sem pressas, antes de lhe começarmos a exigir que "dê o litro".
E para tal também é necessário ter uma outra noção, que são os micro e macrociclos - poderemos falar deles depois !
Gostei da analogia da fala, lol. Daqui a dias vemos pessoal por ai a treinar e a falar sozinho como forma de medir a pulsação.. (eu estou a falar, mas ás vezes canto, lol). Nunca exprimentei esse método, mas concordo que acima dos 80% fica um pouco dificíl dizer frazes mais complexas, sorte a nossa que os palavrões têm poucas sílabas =).
Quanto aos Sprints, o Jorge salienta e muito uma boa base de endurance, eu por exemplo desde dia 1 de Set ao presente dia tenho cerca de 70h na Zona de Endurance Base (65-75%), mas concordo com ele no que toca que os Sprints não devem ser deixados de lado até poucos meses antes das provas, senão vejamos:
A forma como expões a tua discordância tem fundamento, mas aplica-se principalmente a Atletas que estejam a iniciar umas voltinhas na bike e que não tenho aquele sustento Aérobio de longa duração, necessário á progressão para niveis de treino superiores..
No caso do pessoal que treina já á alguns anos, e mantém (mesmo sem muito treino) uma boa base Aérobia de ano para ano, na minha opinião, os Sprints devem ser trabalhados com alguma regularidade (embora a prioridade deva ser dada ao periodo Pré-Competição/Competição) pois a capacidade de armazenamento da CP (Creatina Fosfato: Principal substrato utilizado nos Sprints) sofre um atrofiamento muito maior que a condição Aérobia básica, dai a importância de, para quem já tem uma base de Endurance sólida de tempos a tempos trabalhar cargas máximas em curtos espaços de tempo, Sprints.
Um tema bastante interessante. Gostaria de fazer algumas correções/esclarecimentos.
Comecemos pelo cálculo mais atualizado da frequência cardíaca máxima: FC máx = 208 - 0,7 x idade
Em seguida FC máx - FC repouso = FC residual
Chama-se a FC residual aquela que podemos fazer variar com o treino ou qualquer outro estímulo.
Assim sendo as zonas de treino devem ser calculadas do seguinte modo:
50% FC de treino = 50% FC residual + FC repouso
...
Obrigado pela restante informação e espero ter ajudado.
André Valente - Licenciado em Ciências do Desporto
https://www.facebook.com/AndreValentePag/
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